A Maria que deu certo
A paralisação da COOPERAMARIA não abateu uma “Maria” determinada. Apesar de ela ter convivido com o grupo da cooperativa que não conseguiu levar à frente a produção, não se deixou levar pelo sentimento de desânimo. No final de 1999, com força, raça e gana, filha de pai mecânico e mãe doméstica, cortou o cordão que a ligava ao empreendimento coletivo. O faturamento, médio de cada artesã era de apenas cinquenta reais por mês e em função deste baixo faturamento, não havia lucro para quem trabalhava na COOPERAMARIA. A cooperativa, na verdade, não estava dando certo, já que aquilo parecia ser um grande salto coletivo acabou ficando restrito a famílias. A mudança no comportamento e no desvio da verdadeira função que deveria ter a cooperativa desagradou algumas associadas, entre elas Maria Aparecida.
Segundo ela, isso acabou ofuscando o espaço de outras cooperadas, que a exemplo da artesã, também buscavam lugar de forma isolada. O interesse de Maria Aparecida por artefatos de madeira começou em 1994, em uma empresa que atuava no ramo da exploração de madeira.
Com a mania de ter fé na vida e com o dom natural de trabalhar com o artesanato, Maria Aparecida apostou na visão de futuro e, inicialmente, no empreendedorismo individual como forma de construir um negócio sólido que combatesse o desemprego e garantisse a sobrevivência. Com certa magia, as ideias de Maria Aparecida foram se colando aos pedacinhos e tomando direcionamento. O faro especial detectava o artesanato como uma oportunidade de gerar trabalho e renda, já que a matéria-prima estava amontoada na movelaria do marido e era considerada entulho. O aproveitamento de artefatos de madeira e a comercialização de peças passaram a ser o objetivo de uma Maria que pretendia fazer a diferença.
No inicio do ano 2000, a artesã começou a produzir pequenos objetos em sua própria residência, aproveitando restos de madeira da movelaria do marido e dando continuidade ao padrão das peças em madeira bruta, não diferente das que produzia quando fazia parte da cooperativa. No entanto, a produção era considerada pequena, em média 20 peças ao mês, e o lucro continuava baixo, já que havia um crescente número de empresas explorando a mesma atividade. A falta de rentabilidade e a perda de tempo começaram a incomodar uma “Maria” que sonhava alto, queria vencer as dificuldades e caminhar com as próprias pernas, abrir seu próprio negócio e ainda gerar novos empregos.
No inicio do ano de 1999, Maria aparecida descobriu um caminho que mudaria sua vida: a marchetaria, uma arte milenar de um gênero raro de incrustação de partes recortadas de madeira, marfim ou bronze e cujos mais antigos exemplares encontrados nas escavações do Egito datam de 3.000 Ac. As peças encontradas eram caixas, assentos, à art-nouveau, um estilo que marcou o inicio do século XX. A partir do século XII, a marchetaria começou a desenvolver-se, principalmente com trabalhos em mosteiros e catedrais de Verona na Itália que, juntamente com a França e a Alemanha foram os países que mais difundiram a marchetaria na Idade Média.
Com o objetivo de aprimorar conhecimentos que agregassem valor ao seu produto, a artesã procurou se informar sobre a técnica da marchetaria em revistas do setor e, depois de ter a certeza de que a arte era um tipo de artesanato pouco conhecido no estado, buscou aperfeiçoamento de técnicas, frequentando os cursos de aproveitamento de madeira, colagem e designer oferecidos pelo Sebrae em parceria com o Governo do Estado, destinados a pequenos empresários do setor moveleiro e familiares.
Com o conhecimento Maria Aparecida iniciou a fabricação de pequenos artefatos já com a utilização discreta da arte, contando apenas com a ajuda do marido. Os primeiros objetos produzidos foram porta-jóias, canetas e porta-retratos, que tiveram a aceitação imediata no mercado e isso fez com que Maria Aparecida passasse a ter a certeza de que estava no rumo certo e merecia viver ganhando dinheiro do seu próprio negócio como outras mulheres do planeta.
A aceitação do produto incentivou a artesã a produzir peças retratando os principais pontos turísticos do estado, entre eles a Fortaleza de São José de Macapá e o monumento do Marco Zero, que demarca a passagem da linha do Equador. Essas peças foram colocadas em pontos visitados por turistas e passaram a ser adquiridas para lembrar a passagem pelo estado. Aos poucos, o negócio informal foi ganhando corpo, a produção continuou crescendo em ritmo acelerado e Maria Aparecida teve de pedir ajuda de mais uma pessoa da família para atender à demanda.
No mês de julho de 1999, a “veia empreendedora” pulsou de satisfação. Maria aparecida acordou para realizar seu sonho, apostou em um empreendimento que garantisse lucro coletivo e registrou a empresa Art Norte. Com visão de cidadania, a artesã passou a empregar novas pessoas. No inicio do funcionamento, a oficina de marchetaria oferecia quatro empregos diretos e vinte indiretos, já que cada pessoa envolvida no processo de produção da peça recebeu treinamento dado pela própria artesã, agregando pequenos detalhes que no final contribuíram para a qualidade e a diversificação de produtos.
O resultado do esforço
A artesã Maria Aparecida decidiu aprender a empreender. Com pouco conhecimento, buscou as ações voltadas para a educação do sistema Sebrae e fez acontecer. Errou várias vezes, mas sempre procurando acertar; não desistiu de dar continuidade ao sonho de ter seu próprio negócio e ainda provocou uma grande transformação ao colocar em prática o empreendedorismo, combatendo as desigualdades e ajudando outras famílias a terem direito à renda, a uma vida de qualidade e a perspectivas de futuro. A determinação fez com que Aparecida se tornasse a “aparição bem-sucedida” no campo do empreendedorismo no Amapá.
A história de Maria Aparecida mostrou claramente a importância da determinação e visão de futuro como fatores de referência para quem pretende abrir seu negócio e, ainda, um novo paradigma: os erros cometidos pela cooperativa COOPERAMARIA, como falta de conhecimento da matéria-prima, de foco no consumidor, de um plano de produção e comercialização, não a desestimularam, serviram, na verdade, de referência para que não cometesse os mesmos erros. Isso vem confirmar que os erros fazem parte do aprendizado e que quem erra não deve ser excluído, mas sim ter uma segunda oportunidade.
O caso serviu para mostrar que a artesã não se dobrou diante das inúmeras dificuldades e para vencê-las buscou ajuda das parcerias, o que vem ressaltar a importância de parceiros, como governo do Estado, Sebrae e outras instituições no sucesso de empreendimentos. A variedade da matéria-prima em larga escala na região foi um fator preponderante para o investimento na área de artesanato por meio do reaproveitamento de restos de madeira.
Foram claras as mudanças ocorridas a partir da determinação da artesã. No inicio do ano de 1999, a produção era semi-individual e, com apenas duas pessoas envolvidas no processo de produção, fabricavam 50 peças que rendiam um faturamento médio de duzentos reais. A partir da abertura da Art Norte e do aumento da comercialização, a empresa passou a gerar seis empregos diretos e trinta indiretos. Em dezembro de 2002, a produção passou a ser de mil peças ao mês e faturamento de cinco mil reais. A empresa escolheu como meta firmar convênios com o Sebrae e novas instituições ligadas à educação empreendedora para manter a capacitação de funcionários e, com isso, aumentar a oferta da geração de emprego e renda.
Maria Aparecida ressaltou a parceria especial do marido Claudenir Santos. A artesã justificou que o marido foi o que ela chamou de “incentivador de novidade”. Ele passou a ser um pesquisador e criador de formas e designer das peças. As ações do setor moveleiro e madeireiro do Estado do Amapá estiveram diretamente ligadas ao projeto de artesanato desenvolvido pelo Sebrae com vistas ao aproveitamento de sobras de madeira para a produção de peças decorativas e utilitárias .
A visão de futuro de Maria Aparecida era ocupar um espaço no mercado europeu por intermédio da exportação de seus produtos, via Guiana Francesa, aproveitando uma parceria que foi firmada entre o Governo do Amapá e o da Guiana. Vale a pena destacar que Maria Aparecida, por meio de seu sonho individual de ter seu próprio negócio, acabou alavancando o objetivo de vida de outras pessoas que passaram a ter renda e emprego com o funcionamento da Art Norte.
Colaboradores
Gestor de conteúdos: Maikon Richardson; Design gráfico: Rauan Maia; Revisão de texto: Liliane Ramos, Camila Melo; Digitalização: Camila Melo.
Fonte: Histórias de Sucesso: Experiências empreendedoras. Macapá: Sebrae,2003
Nada será como antes
Com uma população estimada em 422 mil habitantes, o Amapá, por estar localizado na região amazônica, possui um número alto de habitantes, mesmo assim, mantém 91% de sua floresta intacta.
A política é desenvolver projetos utilizando produtos da floresta, sem degradar o meio ambiente, foi executada no estado a partir de 1995, quando o Governo do Estado construiu como base o Plano de Desenvolvimento sustentável (PDSA).
Este plano garantiu a proteção de um corredor de desenvolvimento sustentável com uma área de preservação florestal de dois milhões de hectares que abrange a Reserva Sustentável do Iratapuru, Reserva Extrativista do Cajari, Reserva Indígena do Waiãpi e Estação Ecológica do Jari, que representa todo litoral sul do estado. Esse modelo de gestão sustentável rendeu um crescimento socioeconômico alcançado pelo Amapá a partir de 1995.
Segundo os dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a partir de 1995, o crescimento econômico do Amapá foi de 24%, duas vezes maior em relação a 1993. A garantia de preservação da cobertura florestal do Amapá foi fortalecida pelo Decreto-Lei, editado pelo Governo Federal, durante a Rio+10, em 2002, criando o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, que tem o mesmo tamanho da Bélgica, foi considerado a maior área de preservação ambiental do mundo. Boa parte da nova reserva florestal brasileira está concentrada nas regiões de maior potencial econômico madeireiro do estado, norte e sul.
Mesmo com desenvolvimento de políticas voltadas para a preservação da floresta, a atividade econômica no Amapá sempre esteve naturalmente voltada para negócios ligados à exploração da madeira, uma vez que a região amazônica oferece grande variedade de madeira nobre, entre elas, angelim-pedra, sucupira, maçaranduba e cedro, todas utilizadas na produção de móveis e construção civil.
Em 1998, só na capital Macapá, estava instalado um grande número de micro e pequenas empresas que, apoiadas pelo Sebrae e APEX – Agência de Promoção e Exportação, e Governo do Estado, representavam o esforço para o maior desenvolvimento do setor madeireiro. A cada ano, as movelarias criavam novos postos de trabalho, gerando mais divisas fiscais para o estado e proporcionando mais qualidade de vida para todos, principalmente para as famílias dos proprietários de empresas ligadas ao setor.
Foi justamento com o objetivo de buscar melhor qualidade de vida, geração de emprego e renda que, no ano de 1999, um grupo de aproximadamente cem mulheres, todas esposas de moveleiros, se respaldaram em uma lei estadual e criaram a COOPERAMARIA, uma cooperativa que pretendia não só transformar as sobras de madeira, consideradas entulho nas movelarias, em arte, mas também gerar recursos financeiros para ajudar na renda familiar.
O sonho das “Marias” foi interrompido pela dura realidade: falta de conhecimento das características de diversos tipos de madeira, de mercado, da pouca informação, experiência e ainda, pouco conhecimento em gestão de empresas. A ideia de ganhar dinheiro com a união da mão de obra não apresentou os resultados esperados. A falta de estrutura para a produção de peças comprometeu ainda mais o projeto de cooperativismo, e no final do ano de 1999, a COOPERAMARIA foi obrigada a paralisar suas atividades. A maioria das cooperadas que apostou na ideia foi tomada pelo sentimento de derrota, as mulheres não conseguiam identificar os problemas que levaram à paralisação dos trabalhos. A falta de conhecimento e de credibilidade de parte das integrantes do grupo foi fazendo com que desistissem do projeto e a produção foi sendo deixada de lado.
A colagem do empreendedor
As técnicas utilizadas pela artesã foram centradas em cortes ousados na madeira produzidos por serras circulares, as quais foram adaptados em máquinas construídas na madeira pelo moveleiro Claudenir Santos, marido de Maria Aparecida. Segundo ele, “São verdadeiras engenhocas, fiz a primeira pela necessidade, a segunda para aprimorar e a terceira em busca de resultados que favorecem a criação de painéis”. Após o corte das lâminas, os pequenos pedaços de madeira eram cuidadosamente selecionados por tamanho e, em seguida, montados em um quebra-cabeça altamente estético, constituindo um investimento diferente e de bom gosto, ressaltando a forma artesanal de colar minuciosamente pedaços de madeiras típicas da região amazônica que se transformaram em peças que retratavam a imponência dessas árvores. Desse equilíbrio perfeito, surgiram verdadeiras obras de arte em forma de peças decorativas e utilitárias.
Com o objetivo de valorizar a identidade de seu produto, a artesã manteve a preferência pela madeira nobre da região, trabalhando a composição de cores claras e escuras, como a sucupira e a andiroba, utilizando recursos da floresta sem agredi-la. Inicialmente a oficina, que se transformou na empresa Art Norte, tinha como funcionários apenas a artesã e o marido, mas a partir de 2001, Maria Aparecida percebeu a necessidade de buscar perspectivas coletivas e a importância de sua contribuição na economia do estado. Em apenas um ano, a produção da empresa passou a ser de 800 peças, o número de empregados passou de dois para seis e a geração de empregos indiretos aumentou de 20 para 30. “Entendemos que, garantindo a oferta de emprego, contribuímos, automaticamente, para o aumento da nossa produção sem comprometer a qualidade do produto e, ainda aumentamos nosso faturamento que, no ano de 2002, foi de cinco mil reais, número considerado expressivo para quem estava à beira da falência”, disse a artesã.
A perfeição da técnica antiga, aliada à criatividade sem limites, resultou em peças singulares que chamaram a atenção do mercado consumidor de outros estados e, mais uma vez, a “Maria” caminhou a passos largos, seguindo o faro empreendedor nato que jamais lhe marcará um caminho incerto. O produto foi inserido no mercado de vários estados por meio da participação em feiras de artesanato, promovidas pelo Sebrae em parceria com o governo do Estado. O mercado internacional passou a ser alvo da empresa Art Norte a partir da participação no Equinócio, maior evento de madeira e móveis da Região realizado pelo Sebrae e que contou com a participação de vinte empresas chamadas âncoras, as quais negociam com empresários amapaenses. Além do Equinócio, os produtos de marchetaria foram levados à Feira Internacional do México (Guadalajara) e tiveram boa aceitação – todas as peças levadas foram comercializadas durante a feira.
Maria Aparecida sempre foi otimista e acreditou que não existem limites para a penetração de seu produto em outros mercados. No ano de 200, o Governo do Amapá assinou um tratado de cooperação com o Governo Francês e a artesã, mais uma vez, aceitou um desafio: o de através da Guiana Francesa, que faz fronteira com o município de Oiapoque, distante 595 km da capital Macapá. A artesã sempre demonstrou uma postura corajosa. “Para crescer não devemos ter medo de arriscar, devemos agir rápido e tirar proveito das medidas governamentais adotadas e que podem beneficiar as micro e pequenas empresas”.